diz-se

domingo, 22 de abril de 2012

Cinquenta e dois

Faltam-me 13 anos para os 52 anos de vida. Quando era moço mais novo pensei muitas vezes que morreria cedo. Agora, desde há uns anos, tenho a certeza de que morrerei velhinho. E chato. O 52 chegou a número relevante porque o meu pai reformou-se depois de 52 anos de trabalho. Pré reformou-se. Um dos últimos.
Começou mais cedo do que eu. Ele, aos 10 anos já tinha patrão porque entretanto já não tinha pai. Já não o tinha por perto. Só morre quem é esquecido, repete ele muitas vezes. Foram 52 anos de trabalho e parece que 48 de descontos para a dita Segurança Social. Esta é a equação que lhe permitiu optar pela nova vi(d)a. Sendo que não sabe ao certo que vi(d)a é essa. Mas sabe como começa. Logo ao primeiro dia desse resto da vida dele passa-o no hospital. Coincidências pérfidas.

Mas eu a fazer contas de cabeça, sobretudo de somar, que as outras são mais difíceis, cheguei ao resultado do meu 52. Setenta e sete. Se eu trabalhar 52 anos aí chegarei com 77. Provavelmente sem direito a reforma quanto mais a pré. E chorarei todo o dinheiro que mês após mês me levam por imposição deste estado e ao estado que o deixamos, todos, chegar.

A inconfidência seguinte deixaria o meu pai com aquele ar carrancudo que rebenta em caralhadas várias. Aliás, toda esta coisa de estar aqui a falar dele, seria um caos sem diálogo. Mas como não usa a net e a família próxima não lê blogues sinto-me livre de consequências. No meu primeiro dia de trabalho, o primeiro a sério que conta como início da minha série 52, encheu-me ele de conselhos. Mais do que me deu no meu no primeiro de escola. Que me lembre. Eu começava a coisa já tarde e depois de aventuras sem sentido ainda antes da faculdade mas já depois de estágio profissional nada profissionalizante. Ele carregava nesse dia aquele ar de orgulho amedrontado. O filho mais velho começava a trabalhar e no ramo que escolheu (apesar de mais tarde se ter arrependido). O primeiro recibo, esse, seria superior, em valor, a todos os que ele alguma vez veria.
Agora fica em casa. Ele, e a minha mãe, cansados de tanto e de nada, vão tentar aprender a viver juntos outra vez, de outro modo. Num modo com mais horas. Creio que isso os preocupa mais do que qualquer outra coisa. Apesar de eles se preocuparem por tudo e por nada.
O meu pai viverá mais 20 ou 30 anos. No fim, as contas não serão outras. Terá passado mais de metade da vida a trabalhar. Faz parte, dizem. A mim parece-me que nos querem fazer crer que é para isso que cá estamos. Trabalhar. E dizem agora, à boca cheia, que já é uma sorte ter trabalho. Há muitos que não o têm, completam. Às vezes questiono porque tenho de trabalhar tanto. E, sobretudo, para quê.

2 coisas a acrescentar:

Tindergirl disse...

O meu pai também começou a trabalhar com essa idade. Trabalhou 49 anos e reformou-se com 59 anos. Morreu com 65 anos. Se eu trabalhasse 49 anos ia reformar-me aos 71 anos. Seria uma eternidade.E como a maioria da minha familia sempre achei que ia morrer cedo. Trabalhamos para sobreviver, para pagar uma casa, seguros, comprar comida, pagar escolas, roupa, contas, contas... Felizmente existem o amor, a familia, os amigos,a musica, o cinema,os livros para nos distraírem e darem-nos a força para continuar.

Ondina Maria disse...

O meu pai também se pré-reformou assim cedo. Trabalhou quarenta e tal anos sem nunca faltar. Na ultima semana antes da pré-reforma ficou com principio de pneumonia, em casa. Fui ao ao banco tratar dos papeis e ouvir as pessoas perguntarem pelo "paizinho". Ele e a minha mãe pegam-se mais do que antes, porque agora passam mais tempo juntos, mas no geral o "mel escorre pelas paredes daquela casa" :D
Eu continuo a achar que só deviamos trabalhar no que gostassemos (onde é que eu errei????), assim nem seria trabalho. E deviamos poder mudar de área profissional as vezes que nos apetecesse, afinal temos tanta capacidade de adaptação, porque raios ficar atados a uma só profissão quando há tanta coisa interessante para fazer?
Ah, o meu pai costuma dizer que "se o trabalho desse saúde não mandavam os doentes de baixa".
E agora deixo a reflexão mais importante deste relambório. Conforme consta do dicionário Priberam *trabalhar do latim *tripaliare, torturar com um instrumento, de tripalis, -e, que tem três estacas.

Enviar um comentário