diz-se

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Carta aberta

Lisboa, 23 de Outubro de 2011

Caro Luis

Espero que esta mensagem te encontre de boa saúde.
Escrevo-te de um país em crise. Tão grave que até o Outono se recusou a entrar ao serviço. Pela chuva de hoje parece que estamos também a poupar nas estações. Teremos passado do Verão para o Inverno. Comemos castanhas assadas com uma mão e gelados com outra. Agora o céu estoirou e aposto que lá fora há já árvores caídas, inundações, desbamentos e afins. Eu acho é que não tenho roupa senão de Verão.
Não sei se tens acompanhado as notícias sobre este país. Mas se queres o meu conselho é simples. Deixa-te estar. Todos querem emigrar. Menos o Portas, claro. E o bando de gestores de topo que vão ganhar comissões por terem atingido objectivos. Despedem pessoas, cortam salários, retiram prémios e afins não pagam a fornecedores e no fim, na hora de fazer contas, dá lucro. Para eles.
Os únicos negócios que estão a crescer são as lojas (podemos chamar a isto lojas?) de compra de ouro. Há mais estabelecimentos destes do que bancos ou cafés. Se fecha um café, passados uns dias lá está a montra forrada com um Compramos o seu ouro. Estive para fazer um post só sobre isso. Mas ando a poupar. Até nos posts. Porque não tenho ouro.
Tenho uma outra ideia que nunca concretizarei. Talvez já alguém o tenha feito mas eu gostava de fazer um álbum fotográfico das ruas de Lisboa, seleccionando apenas os sinais desta crise moderna. Os restaurantes cheios, a deitar filas de espera pela rua também seriam incluídos. Mas são tantas placas vende-se a pintar as fachadas dos prédios que me prendem a atenção. Isso e os respigadores à volta do lixo. É pois a crise. Cortes salariais, metade do subsidio este ano, os dois por inteiro no próximo ano, mais um imposto aqui, mais outro ali.
E para o ano mais meia hora por dia de trabalho. Anunciou o Pedro. Que vetou o PEC IV do José e o obrigou a dedicar-se à Filosofia. O Pedro, que também não terá Natal ou férias, apresentou agora um género PEC IV revisto e agravado. O pior mesmo é que apesar de indignados ninguém está verdadeiramente surpreendido.
O 'teu' Obama também fala da gente. Diz ele que a culpa da crise, que eventualmente sentes desse lado, é culpa dos europeus. Eu, vá lá, não me sinto nada europeu.

Eu sigo algo atrapalhado. Parece que não tenho tempo. Até para falar contigo ao telefone ou escrever, e mesmo para ver os teus posts no blogue. Andarão a cortar também no tempo? É que não tenho muito, não. Qualquer dia será taxado. O tempo.
A família alargada e ver os miúdos a crescer são o melhor e quase a única coisa que resta. No trabalho sobram urgências e problemas. Tento eu, quase só, manter-me resignado mas activo. E muito curioso com as medidas a anunciar para 2012. Agora são anúncios. Não são propostas.
E até o Porto nos dá alegrias tristes. Ganhámos por 5-0 mas não valemos 0,5. É a crise. A Moody's também cortou no ratting do FCP. Estamos em modo Jesualdo. Ganhamos no campeonato (sem saber bem como) e seremos (medo) humilhados na Europa.

Até breve caro amigo. E que a força esteja contigo. A salvação poderá passar por uma qualquer crença religiosa. Ou pela venda de ouro.
Abraço
Jaime



4 coisas a acrescentar:

Ondina Maria disse...

Jaime, caneco! Não tenho ouro. E muito menos religião (seria mais fácil ter ouro).

Luis, é um conselho precioso este do Jaime: vai-te mantendo pelos Estates, por cá não sobra nada, nem as cascas dos ovos (que podem ser moídas e adicionadas à sopa para aumentar a ingestão de cálcio).

calita disse...

só bons conselhos, portanto. Eu acrescentaria um copo de vinho de vez em quando, aproveitando o facto de não ter a taxa do IVA aumentada.

LL disse...

retrato muito negro do nosso pais. esta tao mau assim? nao ha mesmo esperanca com ou sem PEC?

Ondina Maria disse...

Digamos que, tendo em consideração o que por aí vem, o PEC IV do Sócrates era uma benção para os nossos bolsos!

Enviar um comentário